HOUVE tempos, durante a ditadura, em que os
jornais não podiam dar notícia de suicídios. Quando os jornalistas tentavam
passar essa informação, a censura cortava. Dizia-se que era para que não se
pensasse que havia gente infeliz naquele regime e com aquela vida. Mas
acredito, também, que fosse para não servir de exemplo, na medida em que os
suicídios, ainda hoje, parecem ser coisa contagiosa.
Para darem a entender que a morte dum fulano tinha sido
consequência dum suicídio, os jornalistas escreviam, então, que o defunto tinha
sido vítima dum seu “tresloucado acto”. Os psiquiatras explicavam que o
conhecimento público de suicídios sugeria pessoas com angústias extremas, ou
com fortes desequilíbrios mentais, que daquele modo encontravam saída para os
seus problemas.
Escreveu Plínio que “entre as misérias da nossa vida, o suicídio
constitui o mais apreciado dom que Deus concedeu ao homem”. Diz agora o
economista francês Jean Paul Fitoussi, relativamente à crise, que “ as leis da
economia são impiedosas e é preciso que nos adaptemos a elas, reduzindo as
protecções de que ainda dispomos. Se vós quereis enriquecer, deveis aceitar
previamente uma maior precariedade. Este é o caminho que vos levará ao futuro”.
Em meu entender, o que mais falta é a sustentabilidade moral do
sistema. Portugal está atrasado a corrigir os seus condicionamentos sociais e
económicos, a sua estrutura jurídica ultrapassada e anacrónica, resultado da
totalmente desperdiçada década de 90. Uma das suas condicionantes negativas é
sermos um país de proprietários e não de arrendatários, entre outras razões
porque o mercado do crédito correspondeu à ideia patrimonial da sociedade
portuguesa.
Hoje, para muitos portugueses, perder a casa é perder a identidade.
Daí não termos dificuldades em entender o que levou aquela espanhola a saltar
pela janela e matar-se durante a execução da acção de despejo do seu
apartamento.
Por estas últimas razões, é urgente criar um paliativo a muitas
situações dramáticas que a crise económico-financeira está a criar. Portugal
não pode continuar, por muito mais tempo, numa textura psicológica tão tensa,
tão crispada e instável como a que estamos a viver. É urgente criar válvulas de
escape que aliviem a pressão que aumenta constantemente, ameaçando a ruptura
completa.
In Sorumbático, 23 Nov 12
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